O PAPEL DA MENTIRA NOS RELACIONAMENTOS
Recentemente
li o livro “O Jogo da Dissimulação” de Harriet Goldhor Lerner, onde a autora
faz uma leitura sobre o fingimento, a falsidade e o engano no universo
feminino. Também li um texto “Sincericídio”, no livro “Um Amor Depois do Outro”,
no qual o autor Ivan Martins escreve sobre o quanto uma verdade, pensamento ou
fantasia falada de forma inadequada, podem ser massacrantes para uma relação.
Ambos,
livro e texto, me ajudaram a pensar este post. Não tenho a pretensão de fazer
um estudo aprofundado, como Lerner fez, e assim indico o livro para os
interessados. Mas gostaria, principalmente, de apresentar algumas reflexões
sobre experiências da minha própria realidade e da realidade de clientes e
amigos em geral.
Uma
das experiências mais desconcertantes e sempre sujeitas a mentiras, é quando “damos o fora” em alguém que não
gostamos. Falar a pura verdade pode ser extremamente ofensivo, como por
exemplo: você tem mau hálito, ou você é um chato de galocha, ou eu não gostei
do seu beijo e sexo, ou você é muito imaturo pra mim. Não gostar de uma pessoa
por qualquer motivo é um direito de todos nós, mas daí expor seus pensamentos
para o outro de forma impulsiva pode se tornar falta de educação ou bom senso.
Assim,
sempre “inventamos alguma mentira”, ou “falamos a verdade” de uma forma mais
sutil, passando o recado sobre a nossa falta de interesse pelo outro: eu não me
identifiquei com você, ou eu percebi que meu sentimento por você é apenas
amizade, ou eu não estou pronta para um relacionamento neste momento, etc.
Algumas pessoas simplesmente somem, não aparecem nunca mais, e assim dizem de
seu não interesse, sem verbalizar, evitando o difícil enfrentamento.
Quando
encontramos uma pessoa que vale a pena relacionar, é preciso fazer um esforço
para falar abertamente dos nossos desejos e interesses. Nós humanos,
especialmente mulheres, fomos educadas pela família e pela cultura para
dissimular, fingir uma coisa pela outra, para fazer jogos emocionais com os
homens, a fim de conquistá-los ou prendê-los.
Um
jogo em desuso, mas muito comum na cultura Patriarcal, com uma força ainda
poderosa no imaginário geral, é o jogo do homem que quer sexo e da mulher que
segura sua vontade, fala que não quer porque é moça decente que não transa
fácil assim. Este jogo envolve papéis culturais para o homem e para a mulher. O
homem tem que querer fazer sexo com qualquer mulher senão sua masculinidade
será questionada. A mulher, para não ser puta e ser considerada para um
relacionamento, tem que segurar seu desejo.
Como
a mulher vem conquistando vários espaços no trabalho, nas relações e na
sexualidade, a partir das lutas feministas contemporâneas datadas a partir de
meados da década de 1960, especialmente o comportamento sexual se modifica em
direção a uma maior liberdade de vivência. Percebo que essa mudança favorece a
escolha afetiva uma vez que uma maior experimentação fornece mais dados para se
escolher um parceiro compatível. Por outro lado, uma maior liberdade sexual
traz também uma tendência a superficialização das relações, especialmente
porque dentro de uma estrutura de pensamento social ainda patriarcal e machista,
essa liberdade pode ser associada a não possibilidade de confiança e
consequentemente a insegurança e o comprometimento nas construções de vínculo.
Pensando
nisso, homens e mulheres devem dissimular
seus verdadeiros interesses. E para as pessoas no geral, conversar abertamente
sobre o desejo sexual ou sobre o interesse em intimidade relacional, é uma
construção que está em aberto, mas caminha de forma bem lenta.
Este
ano, eu esqueci completamente a data de aniversário do meu pai. No dia seguinte
minha mãe de criação (irmã do meu pai) me perguntou de eu tinha dado os
parabéns pra ele e eu contei que tinha esquecido e que ligaria pedindo
desculpas e falando do esquecimento. Ela claramente me sugeriu uma fala que
ocultaria a verdade, para amenizar a situação. Quando eu percebi o jogo de
dissimulação, eu escolhi contar a verdade, buscando exercitar essa coerência.
Esse
meu exemplo familiar, mesmo sabendo que as intenções de minha mãe eram boas,
mostra muito claramente como a dissimulação vai sendo construída na vida das
mulheres de forma muito arraigada, como se fosse natural. Nossas avós, mães,
tias, irmãs e amigas vão passando essa postura que é reforçada e
retroalimentada de geração a geração.
Sendo
assim, a mentira, segundo Lerner, não deve ser vista apenas como um traço de
personalidade, mas deve ser pensada em
contexto, uma vez que ela é como uma dança relacional que acontece entre
nós e em nosso meio.
Pensando
nessa ideia de contextualizar, é muito interessante avaliarmos como e quando
escolhemos mentir ou contar a verdade.
Muitas
vezes a mentira é uma tentativa fantasiosa de proteção do outro, que visto como frágil, não é capaz de ouvir o
que tenho a dizer ou suportar a dor que eu posso lhe causar. Nestes casos
projetamos no outro a nossa própria fragilidade e nossa própria dificuldade de
encarar e enfrentar o parceiro.
O
medo de perder é um dos sentimentos
que nos faz mais mentir nos relacionamentos. É também baseado em fantasias de
como o outro pensa e gostaria que fôssemos e agíssemos. Está muito
fundamentado na ideia de que “eu não sou bom o suficiente”, e que se não
atendê-lo em todas suas necessidades, correrei o risco de perdê-lo.
Se
nossa autoestima não é saudável e não acreditamos em nós mesmos, nem no nosso
valor, tendemos a criar uma máscara,
que de acordo com nossa fantasia somada as expectativas externas, seja mais
aceitável socialmente. Enganamos a nós e ao outro.
De
fato é difícil definir quando falar ou não falar a verdade. Mas o problema nem
sempre é falar, mas sim o como se fala.
Denunciar a verdade mais íntima do outro, num
momento de briga ou discussão, de uma forma agressiva e ofensiva é umas das
piores formas de falar a verdade. É o que o Ivan Martins chama de Sincericídio,
uma sinceridade que assassina o outro, pois usa do conhecimento da sua intimidade
como uma arma de guerra.
Por
outro lado, manter segredo,
especialmente quando a informação escondida é emocionalmente vital para os
relacionamentos, é profundamente tóxico e pode ter consequências dramáticas para
seus membros, como por exemplo os segredos de traição.
Vemos-nos assim, constantemente, diante do
desafio entre ocultar, mentir e falar a verdade. A escolha sobre o que fazer
deve nos levar a uma reflexão sobre o que é mais coerente, honesto e adequado para
nós mesmos e para nossas relações. Sem fórmulas prontas.
Adriana Freitas
Psicoterapeuta Sistêmica
em Belo Horizonte
Instagran: @solteirosecasais
Referência da Figura:
1. foto extraída do site: http://morguefile.com/search/morguefile/7/masks/pop
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Ola Dra Adriana Freitas.Obrigado por suas orientacoes .Valeu!.
ResponderExcluirAgradeço seu comentário Osirlei!
ExcluirAbraço
Adriana