ABUSO CONTRA MULHERES
QUANDO A RELAÇÃO FRACASSA EM VIOLÊNCIA E ABUSO NÃO FÍSICO
Um mês sem escrever no blog. Muito
tempo não é mesmo? O que eu estava fazendo? Gastando quase toda minha energia
para sair de uma relação que se tornou abusiva com a imobiliária a qual alugava
a sala do meu consultório em BH.
A história foi a seguinte: em
setembro a imobiliária manda a cobrança do Seguro Contra Incêndio – que diga-se
de passagem só beneficia o imóvel em caso de incêndio e não o que se encontra
dentro dele – com um valor de mais de 100% de aumento em relação ao ano
passado. Fiquei com muita raiva e tentei uma negociação de valores, denunciando
o aumento abusivo, mas não consegui muita coisa, apenas uma diminuição do
aumento para uns 75%. Depois veio a finalização do contrato, onde a imobiliária
manda uma nova sugestão de preço, para “adequação aos preços de mercado”, com
um aumento de R$200,00, sendo que se o aumento fosse seguir a tabela sugerida
em contrato, seria de R$30,00. Comecei a pesquisar salas na região e encontrei salas
no mesmo prédio por preços menores e novamente entrei em contato com a
imobiliária para negociar, e consegui um aumento de R$50,00. Por último, mas
que pra mim foi a gota d’água, um dos meus fiadores mudou de cidade e eu teria
que trocá-lo, pois o outro fiador já não era de BH. Assim, enviei os documentos
para a imobiliária e eles pediram outra ficha de cadastro porque a que enviei
não estava com a mesma assinatura dos documentos. Solicitei a minha fiadora um
documento com assinatura igual da ficha, ela me enviou e a imobiliária não
aceitou, ainda querendo outra ficha. Eu tinha quatro anos de locação da sala e
nunca atrasei um aluguel. Esperava que tivessem o mínimo de consideração pela
minha idoneidade. Reiniciei minha pesquisa e aluguei outra sala. Bastava de
tanto abuso.
Mas sair de uma relação abusiva gasta energia, disposição e tempo. São muitos
detalhes para resolver entre a saída de uma sala e a mudança para uma sala
nova. Reforma da sala antiga, mudança, agendamento de profissionais,
documentações para a locação da sala nova, assinaturas, cartórios, inúmeras
idas e vindas, no meio da continuidade da vida profissional e pessoal.
Foi nesse contexto que comecei a
pensar na situação de mulheres abusadas, pela violência física e não física,
por seus parceiros. Quando percebem o abuso – se é que percebem? Quais as
crenças que as mantém na relação abusiva? Quando decidem e conseguem sair? Como
sair dessas relações?
Por um lado, o abuso contra mulheres é
resultado de uma crença machista e patriarcal extremamente arraigada na
nossa cultura, que coloca homens e mulheres em posições hierárquicas e
valorativas diferentes. O poder se encontra na figura masculina que pode
utilizá-lo de qualquer maneira para controlar a figura feminina, tendo esta, a
obrigação de obedecer de forma submissa e servil.
O Movimento Feminista, dentre outras
ideias, se desenvolveu também em protesto e busca de mudança na perspectiva
social da mulher, e mesmo com todos avanços alcançados, ainda hoje o problema
da violência contra mulheres não está findo. Por exemplo no Brasil, a lei Maria da Penha, lei específica para os casos de violência contra mulheres,
entrou em vigor em 22 de setembro de 2006, ou seja, há menos de 10 anos. E
mesmo assim, inúmeros desses casos ainda chegam nas delegacias brasileiras.
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Maria da Penha Maia Fernandes - Ativista pelos direitos das Mulheres Veja a história por trás da Lei |
Por outro lado, o abuso é também resultado de vivências violentas na história de
origem dos indivíduos e das famílias. A cultura e a sociedade do século
passado, infelizmente, permitiam o autoritarismo e a violência física de pais
contra filhos, e ser criado em ambientes assim fez com que muitos homens se
identificassem com os agressores, tornando-os um deles. Foi também dessas
relações familiares que as mulheres conheceram seus conceitos de relação
amorosa, e, portanto, entram e ficam em relações violentas. Ou seja,
historicamente, o conceito de amor tanto do agressor quanto da agredida têm em
comum a permissão para a violência, corroboradas em suas famílias de origem.
Então, como enxergar que uma relação
é abusiva, quando o abuso é visto e
vivido como normal no dia a dia das nossas famílias de origem? Esse é um
dos motivos pelos quais as mulheres agredidas, física e não fisicamente,
demoram para perceber que estão sendo abusadas. Elas tendem a se sentir
culpadas e responsáveis pelo comportamento inadequado dos parceiros e tentam
corrigir e corrigir e corrigir a si mesmas, apesar da impossibilidade de satisfazê-los.
Existem muitas mulheres que passam anos nessa dinâmica enlouquecedora.
No livro “Feridas Invisíveis”, a
autora Mary Susan Miller faz um extenso estudo sobre os abusos não físicos
contra as mulheres. Nele, encontramos uma lista de perguntas para identificar se
uma mulher sofre comportamentos abusivos de seus parceiros.
“O seu parceiro:
1. Bate, esmurra, esbofeteia, empurra
ou morde você?
2. Ameaça feri-la ou aos seus filhos?
3. Ameaça ferir amigos ou membros da
família?
4. Tem súbitos acessos de raiva ou fúria?
5. Comporta-se de maneira
superprotetora?
6. Fica com ciúmes sem motivo?
7. Não a deixa visitar a sua família ou
os seus amigos?
8. Não a deixa ir aonde você quer,
quando quer?
9. Não a deixa trabalhar ou estudar?
10. Destrói sua propriedade pessoal ou objetos de
valor sentimental?
11. Não a deixa ter acesso aos bens da família,
como contas bancárias, cartões de crédito ou o carro?
12. Controla todas as finanças e, obriga-a a
prestar contas daquilo que você gasta?
13. Obriga-a a fazer sexo contra a sua vontade?
14. Força-a a participar de atos sexuais que você
não aprecia?
15. Insulta-a ou chama-a por nomes pejorativos?
16. Usa a intimidação ou a manipulação para controlá-la
ou a seus filhos?
17. Humilha-a diante dos filhos?
18. Transforma incidentes insignificantes em
grandes discussões?
19. Maltrata ou ameaça maltratar animais de
estimação?” (pág. 21-22).
Dos 19 itens da lista, apenas um é
um comportamento de violência física. Os outros são considerados abusos
não-físicos. É muito provável que muitos leitores identifiquem um ou mais
desses comportamentos na própria relação ou nas relações de suas famílias de
origem.
Basta! Dar um basta na relação abusiva com
a imobiliária foi algo simples pra mim, já que tenho consciência, autoestima e
renda. Mas dar um basta não é uma questão simples para uma mulher abusada. Na
maioria das vezes elas estão com a autoestima completamente destruída pelas
desqualificações e abusos psicológicos sofridos, foram afastadas do trabalho em
função da exigência abusiva do parceiro, não tendo renda para se sustentar e
aos filhos, e também sua rede social de apoio está muito comprometida, uma vez
que foram abusadas também no afastamento do social. Foram bem treinadas para
terem medo e ficarem paralisadas diante do medo, já que foram muito abusadas
por inúmeras ameaças em todos os níveis.
Há que se ter muita coragem e
inteligência-estratégica para sair
dessas relações, além de uma fonte de apoio que possa servir de sustento,
abrigo e principalmente proteção.
Existem programas sociais do governo
que dão esconderijo para mulheres e seus filhos quando estão ameaçados de
morte, quando a mulher decide sair do abuso. Há que se considerar que certos
agressores são de fato psicopatas e podem matar mesmo, não apenas ficar nas
ameaças.
Mas a mulher, primeiro precisa se fortalecer internamente: ter
consciência do abuso, começar a questionar a veracidade de tudo que seu
parceiro fala, desistir de fazer esforço por essa relação que já está
fracassada, buscar mudar suas crenças sobre si mesma e sobre a afetividade nas
relações, resgatar suas fontes de apoio e proteção e sua crença na própria
capacidade de lutar e reconstruir a própria vida, saindo da dependência do
parceiro abusivo. Ou seja, um caminho longo, difícil que requer um grande
esforço pessoal, muita ajuda social e profissional.
Pensar sistemicamente também requer
que pensemos o lado do agressor, como alguém que em algum momento da vida também foi
vítima de um sistema violento e abusivo seja na criação familiar autoritária,
seja na imposição de um conceito cultural de masculinidade onde o homem
acredita precisar da violência para se afirmar enquanto macho, seja na disputa
de poder nas relações para perpetuar a lógica do patriarcado. Tema que dá pano pra manga mas não será aprofundado neste texto. Infelizmente o
homem, apesar de pequenos movimentos existentes, ainda não realizou um
Movimento Masculinista – em comparação ao Movimento Feminista – que pudesse
transformar profundamente o conceito de ser homem na nossa sociedade, o que acredito
ser necessário para se efetivar uma mudança consistente na questão da violência de gênero.
Você se identificou com algum aspecto
do texto? Deixe sua contribuição no espaço para comentários abaixo!
Adriana Freitas
Psicoterapeuta Sistêmica em BH
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Referências das Figuras
http://ongdcm.blogspot.com.br/p/lei-maria-da-penha.html
2 - http://cromossomox.com.br/2011/08/5-anos-de-lei-maria-da-penha-faca-valer-os-seus-direitos/
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