TRAIÇÃO (parte 2)
ONZE MOTIVAÇÕES CONSCIENTES E INCONSCIENTES
Continuando o tema traição iniciado no post anterior, neste texto fiz um apanhado geral na minha memória clínica e vivencial, destacando onze aspectos motivadores da infidelidade, que podem ser conscientes ou inconscientes dependendo do caso, e são bastante comuns na nossa cultura. Defino tais aspectos de maneira generalizada, e em apenas alguns casos aponto um padrão infiel mais comum para o homem ou para a mulher.
1. História
Familiar
Verificando as histórias familiares e de casal até três ou
quatro gerações perceberemos se existem padrões de traição e se existe a permissão
explicita ou implícita para sua repetição. Filhos que vêm um pai ou mãe traindo
e as repercussões da traição para a pessoa que foi traída e para a família,
podem tanto se identificar com um ou outro lado, tendendo a repetir sua postura
nas próprias relações afetivas ou ficar assombrado com a possibilidade da
traição acontecer em sua vida e acabar atraindo ou inconscientemente
contribuindo para que ela aconteça.
Quando há uma grande reatividade emocional familiar, onde os pais se tornam vítimas
e algozes, será possível uma repetição do padrão traição de forma inconsciente
no futuro, especialmente quando os filhos são convidados a tomar partido de um
dos pais. Ficando presos nesse triângulo com os pais, tem mais chances de repetir triângulos
amorosos em suas vidas afetivas.
2. Insatisfação
no Relacionamento Principal

A insatisfação também pode ser no aspecto sexual, mas
havendo uma dependência em outros campos, afetivo, financeiro, conceito de
casamento e família, o indivíduo preferirá ter um caso ou vários para atender
sua necessidade sexual, sem ter que abandonar a segurança do relacionamento
principal.
3. Crises
Pessoais
Passamos por diversas crises na vida, de idade,
financeira, de sentido, e todas elas nos deixam bastante vulneráveis. O indivíduo
vulnerável fica carente e nem sempre o parceiro consegue suprir emocionalmente
os vazios emocionais, mesmo em boas e razoáveis relações. É nesse
contexto que um terceiro muito bem intencionado, cuidador de carências, pode
aparecer e criar uma ilusão de poder salvar o outro de sua miséria existencial.
4. Busca por
novas aventuras
Geralmente o homem é altamente estimulado pela excitação
da novidade. A monogamia nesses casos é tediosa e maçante. Assim, se envolver
em novas seduções e conquistas se torna um esporte, alimentando sua necessidade
por emoções. Isto aplaca de certa maneira as angústias em relação ao casamento
ou relacionamento principal, gerando uma estabilidade no mesmo, e diminuindo
a possibilidade do término. Assim a traição serve para manter e não para
dissolver a relação oficial.
Como culturalmente viemos de uma tradição machista onde o
sexo está no cerne da afirmação da masculinidade, muitos são os homens que
traem com a necessidade de provar, geralmente para outros homens, que são
machos viris. Ficam presos aos valores culturais e ao medo de serem desvendados
de um masculino fragilizado.
6. Busca do Príncipe
Encantado
Também dentro da cultura machista, encontramos mulheres
que estão em relações muito desgastadas, sem terem suas necessidades atendidas
mas são extremamente dependentes, não conseguindo sair das relações com suas próprias
pernas. Elas recorrerão a traição numa tentativa de encontrarem o príncipe
salvador, que as resgatará de suas vidas secas. No geral se apaixonam pelo novo
parceiro e só sairão da relação principal se o "príncipe" fizer seu papel
salvador. Aqui a traição tem o objetivo de finalizar a relação anterior.
7. Competição, Jogos e Disputa de Poder
A disputa de poder em casais muito competitivos (ver texto
brigas de casal) é uma característica que pode alimentar ainda mais os padrões
de traição. Parceiros criam situações diversas de traições de fato ou jogos de sedução
para mostrar ao outro como não ficará pra trás nessa luta sem fim, competindo
por quem trai mais ou melhor, muitas vezes deixando ou sem deixar que haja
a descoberta mas semeando pistas que gerarão desconfianças.
8. Relações Abertas
Muitos casais estabelecem contratos onde a "traição"
(aqui estou restringindo o conceito de traição como a entrada de um terceiro, o
que não apreende a complexidade do termo) é permitida de três formas:
- apenas o envolvimento sexual sem envolvimento afetivo;
- quando o casal tem uma relação parental (mãe-filho, pai-filha), um dos parceiros não gosta de sexo e o outro tem que buscá-lo com alguém de fora;
- numa poligamia mais explícita onde um parceiro possui duas famílias distintas, seja por questões de sobrevivência e dependência (exemplo: filme Eu, tu, eles), baixa autoestima ou por aceitação familiar-cultural.
O swing é uma prática de troca de parceiros dentro de um
grupo de casais ou em casas de swing, muitas vezes utilizada pelos casais como possibilidade de descobrir
novos jogos sexuais para trazer novas experiências para o relacionamento. Aqui também
estou restringindo o conceito de traição apenas a entrada de um terceiro, que
nesse caso é questionável já que existe um consentimento mútuo dos parceiros.
10. Identificação
com o Papel Masculino do Patriarcado
Por um lado, são aquelas mulheres que numa necessidade de autoafirmação
no relacionamento, na família e na sociedade, via reforçamento da igualdade de gênero,
incorporaram padrões culturais masculinos patriarcais, sendo a traição apenas um
deles. Sua identificação costuma ser com a figura paterna, e sua lógica
masculina também uma tentativa de ser reconhecida pelo pai.
Por outro lado, essa identificação com o pai assim como a
busca de reconhecimento também afeta os homens, podendo ser mais uma motivação
da traição deles.
11. Cisão da Mulher em Santa x Puta
Essa é uma visão
clássica do patriarcado, historicamente construída e reforçada até as mudanças geradas
pela revolução sexual, mas ainda sustentada pelo machismo, tanto de homens
quanto de mulheres, que reside em nossa cultura. A figura da santa seria daquela mulher pra casar, a
qual cuidará da casa, da família e dos filhos, eternamente fiel, tendo como
funções principais a materna e a doméstica. A figura da puta é responsável pelas funções sensual e sexual, onde o sexo é
permitido mais livremente, mas não há vinculação. Essa mulher geralmente é
chamada de fácil, gerando fantasias de infidelidade, e por isso é apenas para
ser usada, não servindo, portanto, para construir uma família. Tendo como crença
esses conceitos, fica implícita a permissão para a traição masculina.
Vale lembrar da música Pagu, composta por Zélia Duncan, interpretada por ela e Rita Lee:
A infidelidade é um
tema muito complexo, e com certeza ainda ficaram muitas facetas pendentes para
posts futuros. Independente das motivações que geram as traições, precisamos
compreender que uma relação se constrói com 50% de investimento de cada lado, e
em casos de traição, se a pessoa que foi traída não avaliar sua própria parcela de responsabilidade, ficará
presa no lugar da vítima e não transformará sua vida e relação. E se a pessoa
que traiu não avaliar suas crenças e motivações, poderá ficar repetindo e
revivendo, inconscientemente, seu próprio passado familiar, cultural e de seus ancestrais.
Adriana Freitas
Psicoterapeuta Sistêmica em BH
Figuras
2 – retirada do google
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Adorei, Adriana. Realmente é um tema complexo onde permeia variadas nuances psicológicas. Este texto consegue sinalizar muitas motivações apesar destas nem sempre surgirem assim de forma estanque. Lembrei agora de um outro filme belíssimo "As Pontes de Madson" onde a protagonista era uma mulher com uma vidinha pacata e sem-graça relegada ao papel de mãe e esposa amélia praticamente. Mas, dentro de si havia uma sensibilidade enorme e é assim que ela se vê na alma de um fotógrafo que aparece na cidade e que, aos poucos apresenta a ela um novo olhar sobre o mesmo mundo.
ResponderExcluirBem lembrado Renata! Toda traição tem uma história de casal e de família por detrás e nunca terá uma explicação linear, como aponto no texto. O filme citado é muito sensível mesmo, e retrata emoções profundas em relação a permissão para a vivência de uma nova experiência assim como os sentimentos de lealdade familiar. Obrigada por contribuir deixando seu comentário! Abraços, Adriana
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