O TEMPO E OS RELACIONAMENTOS
COMPREENDENDO E SOLUCIONANDO PROBLEMAS DE TEMPO*
Quem nunca reclamou
de falta de tempo? É uma característica da contemporaneidade a sensação de não
ter tempo para conseguir fazer tudo que se gostaria. Eu não me lembro dos meus
avós reclamarem de falta de tempo. Talvez naquela época o tempo fosse vivido de
outra maneira.
Alguns aspectos da
contemporaneidade contribuem para a problemática do tempo: grandes cidades e
longos trajetos para se deslocar até o trabalho, tecnologia e o tempo gasto com
seu uso, carga horária de trabalho elevada necessária para a sobrevivência, o
excesso de atividades e responsabilidades do indivíduo para consigo mesmo e
para com seus sistemas de relação.
Diante de tantas
demandas vitais, como os casais organizam ou deixam de organizar seu tempo para
estarem juntos e se sentirem conectados? Como as questões de tempo afetam e
prejudicam os relacionamentos? E como os casais podem solucionar os problemas
de tempo? O que seria um tempo de qualidade dedicado ao relacionamento?
É muito comum os
casais chegarem na terapia e estarem tão engolidos pelas atividades individuais,
de trabalho e família, a ponto de não reservarem tempo para sequer conversarem
e alimentarem a relação. Vamos refletir um pouco sobre essas atividades.
O tempo e o trabalho

Dessa forma, o
trabalho ou as atividades em torno do trabalho tomam uma grande quantidade de
horas vitais dos indivíduos adultos. Se na média de 1/3 do dia vai para o
trabalho e o outro 1/3 é gasto dormindo, apenas o outro 1/3 é o que resta para
realizar todas as outras atividades: fazer um exercício físico, cuidar do
casal, cuidar dos filhos, encontrar com amigos, descansar, fazer compras e cuidar
da alimentação, estudar, ter lazer, etc. Se pararmos para pensar, um casal que
tenha filhos e que cuide responsavelmente da família, faz mágica com o próprio
tempo. E é muito fácil estrangular o tempo para o casal em função de todas
essas atividades.
O tempo e a família
Neste tópico, a
primeira questão a ser considerada é a diferença
de gênero, onde ainda hoje, na grande maioria das vezes, é a mulher que
assume a maior quantidade de responsabilidades com a família, casa e filhos
mesmo quando ela trabalha. Sem contar que são elas as mais convocadas para
cuidar dos familiares doentes, idosos ou hospitalizados. Assim, o homem acaba
ficando mais livre pra fazer suas atividades individuais e a mulher mais
sobrecarregada com suas atividades de cuidadora, o que afetará o tempo para o
casal, incluindo sua qualidade, pois quando há o encontro, a mulher está
cansada. Esta questão de gênero implica numa crença mútua compartilhada sobre
os papéis de homem e mulher, ou seja, não há vítimas nessa história. Ambos
compartilham as mesmas crenças, mesmo quando há reclamações.
Um outro aspecto, é
sobre o tempo dedicado a família de origem. Se mesmo depois de formada a
própria família o casal ainda permanece dependente dos pais, é certo que também
haverá um tempo obrigatório significativo de se passar com eles. Digo
obrigatório porque é um tempo ansioso e não prazeroso de estar junto, é quando
os “adultos” ainda procuram ficar no papel de filhos dos seus pais numa
tentativa de suprir suas carências infantis. Daí, com certeza o tempo do casal
também poderá ser sacrificado.
O tempo, o divórcio e o recasamento

Se as tarefas emocionais
do divórcio ainda não foram resolvidas, antigas lealdades invisíveis ao
ex-parceiro e aos filhos do casamento anterior, ou a família de origem poderão controlar
o tempo que o indivíduo passa com o novo parceiro e os filhos do atual
relacionamento. Isso sem contar com as emoções que essa “má” distribuição
temporal irá gerar em todos os relacionamentos.
Se a arquitetura de
organização do tempo em uma família intacta (sem divórcio) já é bastante
difícil, imagine a de uma família recasada por segunda ou terceira vez. É
necessário muito jogo de cintura e boa vontade de todas as partes, ou pelo
menos das partes adultas, para realizar a organização temporal.
O tempo e a tecnologia
Uma cena que se
tornou extremamente comum nos dias de hoje é encontrar um “casal” sentado em um
contexto qualquer, cada um segurando e mexendo em seu aparelho multifuncional.
Os contatos físico, visual e auditivo são precários e quando acontecem, é para
mostrar algo no próprio aparelho. Fora aquelas pessoas que fotografam o evento
no qual estão participando e imediatamente publicam em alguma rede social.
Outro dia vi um desses banners de facebook, escrito em espanhol, que dizia o
seguinte: “no tenemos wi-fi, hablen entre ustedes!”.
Teoricamente, a
tecnologia tem o propósito de aproximar as pessoas. Hoje com os recursos de internet,
Skype, facebook e afins, o contato globalizado se tornou muito mais fácil. Fui
outro dia no Museu das Telecomunicações em Belo Horizonte e fiquei
impressionada com a rápida evolução dos meios de comunicação. Há menos de um
século a telefonia era feita via telefonista! Não muito distante, na minha
época de faculdade (1998-2002), ainda tínhamos telefones “tijolinhos” e
internet discada.
O que quero
enfatizar é que a tecnologia trouxe uma série de recursos muito positivos para
a contemporaneidade. Mas a evolução humana não acompanha a evolução
tecnológica. Nós humanos é que fazemos um uso distorcido dela, de acordo com
nossa própria saúde e doença. Daí, os parceiros que estão engolidos pela
tecnologia, dificilmente conseguirão construir intimidade para se tornarem
casal, pois o tempo que passam juntos, é uma ausência compartilhada.
Tempo e fatores biológicos e de saúde
Quando um dos
parceiros tem uma doença crônica, física ou mental, o tempo para tratamento é
significativo, e a fragilidade ou enlouquecimento do doente afeta a
disponibilidade e a qualidade do tempo do casal. É muito comum o parceiro
saudável assumir funções paternas e de cuidador, o que pode a longo prazo,
prejudicar o relacionamento erótico do casal.
Tempo e crenças da cultura de origem e sistemas mais amplos
Qual ou quais são
os valores da cultura onde você vive? É o trabalho? É a família de origem? É o
casamento? É a igreja? É o prazer? São os amigos? É o corpo ou a beleza física?
É o dinheiro? É o poder? É o status?
Qualquer que seja o
valor cultural, ele sempre irá permear as buscas do indivíduo e do casal, sendo
um campo de investimento de tempo, e se o valor não incluir o investimento no
relacionamento, seu tempo será insignificante.
O tempo e as questões de poder e dinheiro
Quando no
relacionamento os parceiros têm uma tendência mais igualitária, é muito comum que
haja disputa de poder em diversos âmbitos, inclusive sobre o tempo dedicado a
estarem juntos. A questão do dinheiro acaba entrando como reforçador da disputa
de poder, e quando há uma desigualdade de ganhos, aquele que ganha mais pode
usar do poder do dinheiro para controlar a relação, e impor a quantidade de
contato que quiser no relacionamento, com a desculpa de que precisa trabalhar
para o sustento do casal, pois seu salário é o que “garante” uma boa ou melhor qualidade
de vida.
Algumas pessoas
utilizam da vitimização como forma de poder, fazendo jogos emocionais para que
o parceiro se sinta culpado e em débito, realizando, consequentemente, o que o
vitimizado deseja.
Toda disputa de
poder gera algum tipo de desgaste para o relacionamento. Assim, mesmo quando há
um tempo para o casal, este será preenchido com emoções de raiva e competição,
não facilitando a proximidade que favorece a construção da intimidade.
Estabelecendo um tempo para o relacionamento

O casal que deseja
melhorar a qualidade de seu tempo deverá assumir seriamente a responsabilidade
pela organização, limite e disciplina sobre a preparação e manutenção do tempo
para outras atividades e atividades em comum.
E o que é um tempo
de qualidade para o relacionamento? Resumidamente, são aqueles momentos que há
qualidade de presença, de entrega e de viver por inteiro o contato. Os
parceiros estão focados um no outro e nas coisas do relacionamento, ficando as
coisas do mundo externo como pano de fundo. É onde há diálogo e nesse diálogo
há um aprofundamento da intimidade afetiva, com revelação de sentimentos mais
profundos.
Uma vez organizado
e delimitado o tempo para o relacionamento, ele deve ter um caráter sagrado, ou
seja, cada parceiro irá abrir mão de qualquer outra atividade que coincidir com
o tempo estabelecido para o casal. E ao defender e cumprir responsavelmente com
esse tempo, a longo prazo cria-se um ritmo que também é importante para o
sentimento de envolvimento, proximidade e continuidade entre os parceiros.
Mesmo quando o
tempo para estar juntos for pequeno, algumas atividades podem favorecer o
sentimento de conexão do casal. Uma técnica interessante fala sobre os “pontos
de prazer de 60 segundos” *, quando os parceiros definem atividades divertidas,
prazerosas ou sensuais que possam realizar em no máximo 60 segundos, estando
juntos ou distantes. Podem estar relacionadas a beijos, abraços, carinhos,
carícias diferentes, falas no ouvido, dançar, massagens, orações juntos, poemas
recitados, mensagens, brincadeiras, enfim, tudo que faça sentido para o casal.
O importante é que
cada indivíduo assuma seus 50% de responsabilidade para com seu relacionamento,
doando não apenas o seu tempo, mas fazendo-o com suas melhores qualidades.
Adriana
Freitas
Psicoterapeuta Sistêmica em BH
* Para escrever este
texto estudei o capítulo Relógios,
Calendários e Casais – o tempo e o ritmo dos relacionamentos, de Fraenkel e
Wilson (conferir página de indicação de livros), do livro Casais em Perigo, organizado por Peggy Papp.
Imagens:
#adrianafreitas
#solteirosecasais #amor #afetividade #carinho #relacionamentos #relação
#comportamento #terapiadecasal #sexualidade #casal #casamento #solteiros #saúde
#comunicação #paixão #carência #parceiro #cuidar #saudades #psicologia
#psicóloga #terapiafamiliar #sistêmica #visãosistêmica #terapia #tempo
#divórcio #recasamento #poder #dinheiro #tecnologia #trabalho
Nenhum comentário:
Postar um comentário